Sobre o livro
O livro
Curioso é que o livro pouco tinha relação com o cinema, manifestação artística que tanto fascinava escritores como João do Rio e Oswald de Andrade naquele momento. Tratava-se sobretudo de uma alcunha que relacionava a protagonista Rosalina e sua liberdade de comportamento a termos como “falsidade”, “artificialidade” e “mentira”, reforçando o lugar circunscrito da mulher quando se falava em sexualidade e papeis sociais.
Ainda que brasileiro, Mademoiselle Cinema (então escrito na capa como Melle Cinema) trazia um forte sotaque, inspirando-se livremente no livro francês La garçonne (1922), de Victor Marguerite. Enquanto na obra de Marguerite uma jovem vivia suas aventuras amorosas como vingança à traição do noivo, Costallat construiu uma protagonista que gostava da diversidade por pura diversão, em páginas recheadas de estrangeirismos.
Ao mudar a ênfase da personagem, Costallat dava continuidade ao seu gosto por controvérsias, fosse como jornalista, cronista ou escritor. Em Mutt, Jeff & Cia (1922), por exemplo, maldisse o próprio cinema (“O cinema se caracteriza por um eterno vazio de sentido, um absoluto vácuo de inteligência…”, p. 5). A tendência se manteve quando criou, com José Miccolis, a editora Costallat & Miccolis, por onde publicou não apenas Mademoiselle Cinema e obras próprias, mas livros polêmicos de autores como Gilka Machado, Olegario Mariano e Alvaro Moreyra.
O enredo
A trama folhetinesca de Mademoiselle Cinema situa-se em um Rio de Janeiro da alta sociedade, em cenários como o Country Club, Cascatinha da Tijuca (Taunay), Santa Teresa, Avenida Atlântica e Theatro Municipal. O livro narra a história de Rosalina, 17 anos, jovem que adotava a então moderna estética das melindrosas francesas, com cabelos curtos, roupas ousadas e transparências. Nos bailes que frequentava, a jovem praticava o beijo “como um esporte” e colecionava conquistas. Durante uma viagem a Paris com a família, começou a se relacionar com o escritor Roberto Fleta, deixando o personagem apaixonado e entregue ao vício em cocaína, depois de abandoná-lo. Já na França, a jovem teve que lidar com a traumática morte do pai, retratado como um político corrupto. Ao retornar para o Brasil, ao lado da mãe, decidiu refugiar-se em Paquetá, onde conheceu seu verdadeiro amor, o artista Mário. Considerando-se indigna de viver esse amor, por causa do que considerava um passado libertino, recusou o pedido de casamento de Mário e voltou a frequentar os bailes do Rio de Janeiro, sempre com seus decotes ousados.
Censura
Embora as descrições do livro possam parecer ingênuas hoje, Mademoiselle Cinema foi alvo de censura nos anos 1920. Por causa de denúncia da chamada Liga da Moralidade, foram apreendidos cinco exemplares à venda na Livraria Leite Ribeiro, no Centro do Rio de Janeiro, e os funcionários do estabelecimento tiveram que prestar esclarecimentos na delegacia. Com grandes defensores manifestando-se publicamente a favor da obra, o episódio representou menos danos materiais do que impulso para as vendas.
Com o êxito do livro, no ano seguinte, Costallat publicou uma continuação (Os maridas – O Marido de Melle. Cinema), em que a protagonista Rosalina vivia um difícil casamento. Também em 1924, publicou aquele que seria um de seus maiores sucessos, Mistérios do Rio, obra na qual descreveu o cotidiano do Rio de Janeiro e seus personagens.
Ainda que diante de um enredo que parece datado, Mademoiselle Cinema tem grande capacidade de incentivar reflexões sobre a própria década de 1920, mas também sobre temas ainda contemporâneos, como a liberdade de expressão e o feminismo, tal como desenvolvemos nos planos de oficinas para a Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Referências Bibliográficas
CARVALHO, Bernardo. “Mademoiselle Cinema” é best-seller moralista. Folha de S.Paulo, Ilustrada, 09 de setembro de 1999. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq09099917.htm. Acesso em 24 out. 2023.
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COSTALLAT, Benjamim. Mademoiselle Cinema. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 1999.
COSTALLAT, Benjamin. Mistérios do Rio. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural/Divisão de Editoração, 1990. Disponível em http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/4204210/4101382/misterios_rio.pdf. Acesso em 18 mar 2023.
FARELO, Fernanda Soares. Mistérios do Rio: imprensa e literatura em Benjamim Costallat (Rio de Janeiro, anos 1920) / Orientador: Diego Antonio Galeano. – 2017. Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de História, 2017.
FRANÇA, Patrícia. Livros para os leitores: a atividade literária e editorial de Benjamim Costallat na década de 1920. Cadernos de História, v. X, p. 121-140, 2010.
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